quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Despedida

 Dois anos parecem ser um breve período. Porém, há anos mais agitados que outros; e desde 2010, vivo um desses momentos. Aprendi como funciona a faculdade de Direito da UERJ, com seus professores, estudantes e outros funcionários. Conheci pessoas com as quais não teria contato normalmente. Amei. Fiz amigos. E a minha literatura, que já não estava assim tão crua quando ingressei na universidade, amadureceu ainda mais.
   Aqui comunico mais uma mudança. Dessa vez, de endereço. Não mais escreverei nesse blog, que foi essencial para mim. Pela primeira vez, tive contato com leitores e outros escritores. Por meio dele, conheci Carol P. (do "ArtBrazil": http://theartbrazil.blogspot.com.br/), Helena Frenzel (do "Bluemaedel": http://bluemaedel.blogspot.com.br/) e Tatiana Carlotti (dos "Atalhos Urbanos", que por alguma razão misteriosa não consigo acessar no momento), mulheres talentosas com quem troquei impressões e elogios. Recebi à essa mesa também comensais ocasionais, como o Professor Simas, do Histórias Brasileiras (http://hisbrasileiras.blogspot.com.br/). A todos que passaram por aqui sou grata.
     Agora, residirei no "Tessitum": http://tessitum.wordpress.com/. E deixo aqui, apropriadamente, o poema que deu título ao meu novo espaço.

Tessitum

O teu olhar desfia fibra a fibra o meu coração
e tuas mãos brincam com a trama desfeita,
deixando-me alegre, triste, plena, insatisfeita,
sem, entretanto, me tirar, de controle, a ilusão.

E então pelo papel voa a minha mão
buscando o verso perfeito para cada instante, mas,
no meio da estrofe, parando, e palavras riscando,
tentando alcançar os pomos inebriantes da Inspiração.

Por que é tão difícil te cantar? Porque sei que, por mais
que em teu poder esteja eu, ainda és homem
e não deus.

E em cada palavra minha quero te ter inteiro,
colocar em todo verso tuas virtudes e defeitos,
que assim tu serás ainda mais só meu.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Corações sujos

  Retorno depois de mais uma longa ausência. Porém, dessa vez, devo dizer que não foram apenas os estudos que me mantiveram longe desse espaço durante esses meses. Eu estou no final da tarefa de registrar um grande compilado de textos meus na Biblioteca Nacional. Os autores sabem que isso é delicado; o processo de escolha, digitalização e revisão de escritos pode demorar bastante, aumentado inclusive pelas outras atividades que nos consomem tempo.
  Enquanto termino esse trabalho, deixo aqui uma resenha sobre o filme "Corações sujos", de Vicente Amorim, baseado na obra de Fernando Morais e inspirado em fatos históricos. Original e genuíno, ele conta uma história que aconteceu logo depois da Segunda Guerra Mundial em uma colônia de japoneses no Brasil. O Japão perdeu o conflito, mas muitos nipônicos que estavam aqui não acreditaram. Pensavam que se tratava de mais uma hostilidade do governo que os proibia de ter suas próprias escolas, jornais ou de fazer qualquer reunião.
   A repressão a esse povo não incluía apenas isso. A origem do antiniponismo aqui se encontrava no medo do imperialismo japonês e no nacionalismo exacerbado brasileiro dos anos 30 (Era Vargas), e foi o Jornal do Commercio o primeiro a fazer ataques aos imigrantes japoneses. Nesse triste empreendimento, a figura do médico Miguel Couto teve destaque; em suas obras, denunciavam-se os nipônicos como instrumentos e espiões do governo de sua terra natal, os quais estavam a serviço da destruição do Brasil. Além disso, eram retratados como seres inferiores; não eram brancos, e assim a miscigenação apenas contaminaria a sociedade. Xavier de Oliveira, psiquiatra, que, como Couto, era deputado e participou da Assembléia Nacional Constituinte de 1933, afirmava também que esse povo asiático tinha tendência a desenvolver doenças mentais incuráveis.
  As primeiras emendas que o grupo de deputados antinipônicos apresentou ao texto constitucional em andamento foram rejeitadas, pois provocaram a reação do governo japonês conjugado com o Itamaraty. Este não desejava indispor o país a uma potência militar em ascensão. No entanto, foi aprovada a Emenda Miguel Couto (artigo 121 da Constituição de 1934), a qual estabelecia reduzidas cotas de imigração para muitos povos, exceto o português, e que afetou de modo indireto severamente a chegada de japoneses aqui.
  O fechamento de jornais, escolas e associações japoneses no Brasil ocorreu logo depois do golpe que instituiu a ditadura varguista denominada Estado Novo. A partir desse momento, as colônias estrangeiras no Brasil foram alvos da política de "nacionalização", que se manifestavam por meio de decreto-leis. Os nipônicos, de cultura muito distinta da brasileira, e que viviam em comunidades fechadas, eram vistos com particular receio, e sofreram de modo intenso especialmente depois do ataque de 1941 à Pearl Harbor. Em "Corações Sujos", cuja história se passa no interior de São Paulo em 1946, várias cenas revelam a repressão policial. Uma das primeiras do filme mostra uma solenidade militar, em que um coronel da reserva do exército japonês proclama que seu Estado não perdeu a Segunda Guerra. A polícia invade a reunião com violência. Quando a bandeira do Japão é atirada ao chão, um idoso tenta resgatá-la, e um dos policiais pisa em seus dedos. A seguir, esse mesmo homem a usa para limpar as próprias botas.
  Os japoneses, então, exigem a morte daquele que os desonrou. Isso nos induz a pensar em um conflito armado entre os nipônicos e as autoridades brasileiras naquela colônia. Porém, não se trata disso. Alguns nipônicos acreditam na derrota japonesa, o que é inadmissível para os demais. Acreditar em tal coisa é ter o coração sujo, é deixar de ser japonês e passar a ser um animal. Como dizer que o Japão, cujo imperador é tido como um deus, e que ganhou inúmeras guerras anteriormente, perdeu o confronto?
  Essa crença na grandeza japonesa resulta em várias mortes dos supostos traidores. Ao final do filme, se revela que os homicídios e perseguições que aconteceram aos donos dos "corações sujos" em todo o território nacional foram muito mais numerosos.
  As atuações do filme revelam uma linda obra artística. Os atores transmitem, de um modo visceral, toda uma atmosfera de nacionalismo, ódio, medo, luto e incerteza. Eles nos conduzem a uma história viva, que se encontra fria e distante nos livros dos historiadores. 
  Somando isso à trilha sonora, é impossível não se entregar a "Corações Sujos". Em certas cenas, há música clássica ocidental; em outras, instrumentos de corda dissonantes. E há aquelas, as mais belas e marcantes, em que aparacem melodias japonesas tradicionais, e que nos transportam ao particular sentimento de honra e dever que acompanha tantos personagens. E ao mesmo tempo em que é atribuído um tom clássico a essas cenas, pois remetem ao Japão Medieval, elas são dolorosamente reais.
   Deixo aqui o trailer do filme e a minha recomendação.

   
     

domingo, 2 de outubro de 2011

Adeus

 A vida é uma história fascinante, mesmo quando curta. Não pode haver romance mais cheio de quebras de momentos de estabilidade. Sempre algo rompe o nosso precário equilíbrio.
  Frequentemente, temos surpresas até quando esperamos que algo aconteça, pois nunca se sabe o instante exato em que virá o que se aguarda. Escrevo nisso pensando na morte de minha avó. 
  Sim, todos morrem. E quem não espera que os muito mais velhos vão embora antes? É a ordem natural. Mas sempre ficamos espantados, em choque, porque sempre achamos que demoraria mais, nem que fosse apenas mais alguns dias...
  Minha avó faleceu, e uso essa palavra não por querer ser eufemista, coisa que detesto, mas porque ela estava tão frágil que foi como se a morte tivesse sido um sopro, suave, para ela. Ela tinha estado muito doente, e ia definhando em seus últimos anos, física e mentalmente. Os que acompanham processos assim conhecem muito bem a tristeza e o horror do que descrevo.
    A expectativa é de que ela falecesse, e digo, ignorando todos os idiotas que certamente interpretarão mal, por ingenuidade ou secreta maldade, o que escrevo, que havia, no fundo, o desejo de que ela morresse. Será que é bom viver com constante dor física, tantas limitações de corpo, e, sobretudo, sem a maior parte da memória e da lucidez? A morte a levou, e foi melhor assim.
     Mas não se pode evitar a dor da perda, que aqueles que ficam, sentem. Eu a amava, apesar de ser bem realista quanto a seus defeitos, e de toda a guerra familiar que me levou a me afastar bastante dela nos últimos anos, e que agrava mais ainda essa despedida. Nunca a tratei mal, e não há necessidade de contar aqui o que provavelmente só contarei detalhadamente, talvez, na minha autobiografia.
      Talvez sejam todas as lembranças boas que tenho dela o que faça ser tão difícil esse meu luto tão heteredoxo, feito de palavras, linhas e versos, dor de cabeça e poucas lágrimas. A pessoa que estava comigo naqueles momentos de alegria se foi. Sei que todos os momentos, assim que consumados, pertencem ao passado; mas é como se eles se perdessem mais definitivamente quando um de seus protagonistas vai embora.
       Compus (e, quem sabe, ainda esteja compondo) um poema para minha avó.


Rosa de pedra

Nesse estranho jardim cinza,
de pedras, anjos e santos,
entramos.
Tu dormias, imperturbável.
Como a uma criança, te levávamos
para a cama, tão lentamente,
como se temêssemos despertá-la.
Cada detalhe está esculpido em minha memória,
assim como aqueles inúmeros nomes,
e as incontáveis saudades,
genuínas ou falsas,
gravadas nas rochas polidas,
que pareciam aflorar daquele solo. 
Mas o que senti naqueles instantes
já se vai escoando entre os meus dedos 
lentamente...


Um véu bordado te cobre,
e tu te perdes entre tantas flores!
E, toda noite, antes de me perder no sono e no sonho,
lembro que descansas, serenamente,
liberta de toda dor que já sentiste.
Não sei se és capaz de escutar esta canção,
ou de ouvir a pena compondo as palavras,
como notas que sussurram e riscam o ar.
Mas canto para mim e para os que ficam,
porque são nossos todo o temor,
o sofrimento,
o caos.
Tu és embalada no grave silêncio,
ácido para nós, e leve para ti,
das coisas ditas e não ditas.
E apenas um número _ um palíndromo _
marca o teu leito de concreto.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A política da ignorância

           Depois de três longos meses, voltei. Desculpem a demora; culpa da UERJ obviamente. Mas prometo compensar a minha ausência com vários textos ao longo destes trinta dias sabáticos.
         Com tantos assuntos colhidos nos noticiários durante esse meu recesso forçado, é difícil escolher aquele que abordarei primeiro. Entretanto, como gosto de estabelecer relações entre as notícias, começarei pelo tema da educação.
        Parece contraditório que alguém que entra de férias queira se estressar. Vocês devem estar pensando que eu deveria ter começado a falar de amor, ou continuar a tendência do post anterior e fazer um texto inspirado por um ponto do roteiro cultural do Rio. Mas quem entrou de férias foi a estudante de Direito. A escritora agora pega novamente a pena e o teclado para recomeçar a sua obra.
        Nunca investiram da forma adequada na educação pública. A novidade é, entretanto, que agora nossos políticos estão investindo para torná-la pior. O ENEM é o grande exemplo disso. Em 2009, se tornou uma grande prova de resistência (com 180 questões e uma redação para serem feitas em apenas duas etapas, em dois dias seguidos), e o governo se mostrou incapaz até mesmo para providenciar a segurança de uma gráfica, o que resultou no adiamento da prova devido a vazamento de questões. Em 2010, houve problemas no gabarito e mais modificações no já confuso formato. E em 2011, a UFRJ o adotou integralmente como vestibular (o que por si só, é um absurdo devido à essência e ao histórico do ENEM) e avisou isso com a larga antecedência de quatro meses...
      Além disso, os professores da rede pública, que ganham um salário risivelmente incompatível com o esforço de ensinar, estão sendo continuamente ignorados em suas reivindicações por aumento salarial. As negociações ainda estão em curso, mas devido ao entusiasmo das autoridades em relação a esse setor, todos já sabem qual será o resultado...
        Não é sequer dada a oportunidade de o cidadão ajudar voluntariamente os alunos de escola pública. Cito aqui o meu exemplo. Nesse ano, separei alguns bons livros didáticos para doar. Creio que totalizaram vinte exemplares. Procurei na Internet os telefones do setor da Secretaria Municipal de Educação que cuidava de doação de livros. Recebi um tratamento digno de central de telemarketing, sendo transferida de uma divisão para outra, para no final ouvir uma excelente piada. Disseram-me que o governo federal já providenciava todos os livros didáticos necessários para os alunos da rede pública. Fui professora particular de um aluno desses durante alguns meses em 2010; ele apenas tinha um livro didático (de História), e todo o resto do material eram folhas elaboradas pela prefeitura. Devo concluir que os livros das várias outras disciplinas eram desnecessários? 
           Nas escolas públicas, o que menos se faz é ensinar. Recentemente, em menos de um mês, houve três festas de confraternização em uma escola pública perto da minha casa. Além disso, há excesso de comprometimento com exposições (na época da Copa do Mundo, as aulas foram praticamente suspensas na escola de meu ex-aluno para que os estudantes tivessem tempo de fazer trabalhos sobre futebol. Nada contra o esporte anglo-saxão, mas parar de seguir normalmente o currículo é um pouco demais, não?). Mais um exemplo da falta de compromisso com as aulas é o excesso de atividades extras como terapia e educação sexual. Tudo isso é necessário, entretanto, o ensino é posto em segundo plano para que se privilegiem esses diversos pontos.
            O governo deveria ser processado por propaganda enganosa quando resolve alardear suas "conquistas" na educação. A "última" foi quando resolveu orgulhosamente anunciar que a média dos estudantes de rede pública em um exame para avaliar o nível das escolas estatais havia aumentado alguns décimos. Isso foi dito como se fosse realmente um grande feito de nossos excelentes governantes.
            Esse seria o penúltimo parágrafo do meu texto, mas me deparei agora há pouco com a notícia de que o índice de repetência no ensino fundamental é de cerca de vinte porcento e, no ensino médio, é de aproximadamente trinta. Como se não fosse o suficiente, o nosso muito amado MEC declara que, para corrigir essa distorção, as escolas devem simplesmente reprovar menos e usar outras ferramentas para melhorar o aprendizado.  Ninguém nega a importância do reforço escolar; se feito adequadamente, as taxas de repetência cairão vertiginosamente. Entretanto, reprovar aqueles que merecem ser reprovados é uma obrigação e uma necessidade. Passar de ano aqueles que não estão em condição de avançar de série é uma mera maquiagem. Afinal, esses estudantes não têm o conhecimento necessário para passar de ano, e não compreenderão a matéria ensinada na série mais avançada. Além disso, estamos em uma meritocracia (o que aparece na nossa Constituição); as conquistas devem ser alcançadas por merecimento. Se um estudante não conseguiu passar de ano, se ele não o mereceu, não deve ser aprovado. E é claro que há a questão óbvia de que a escola se propõe a dar o conhecimento apropriado a cada ano para os estudantes daquela série. Se o aluno não consegue assimilar esse conhecimento na primeira vez em que cursa um ano, deve cursá-lo de novo. Segue o link da notícia: http://oglobo.globo.com/educacao/mat/2011/07/13/um-em-cada-cinco-estudantes-do-ensino-fundamental-esta-atrasado-na-escola-924889704.asp
            A mentalidade atual é a de desvalorização do estudo. Para que fazer dever de casa? E para que colocar o filho em uma escola melhor, se todo colégio é igual, e o verdadeiro símbolo do sucesso é o carro do ano? E caso haja alguma festa ou viagem para ir, por que não faltar à escola? Se o dinheiro escassear em razão das dívidas contraídas no cartão de crédito para pagar smartphones e roupas de grife, o que impede você de colocar sua criança em um colégio muito mais barato (talvez até um público) e tirá-lo do professor particular? Esse modo de pensar precede a destruição progressiva da educação, e é terrivelmente alimentado por ela.
            Nossos governantes querem nos manter na ignorância. De que modo iríamos continuar elegendo a eles e seus aliados?

sábado, 23 de abril de 2011

O maravilhoso cotidiano

   O movimento surrealista surgiu na década de 1920, e introduziu o fantástico mundo onírico sobretudo na pintura. Os adeptos dessa vanguarda adoravam o "maravilhoso cotidiano", que era a revelação de elementos comuns do dia a dia em coisas belíssimas e irreais na Arte.
   Sei que minha Poesia está longe de ser surrealista, pois a loucura do onírico não está nela. Mas também amo a idéia do maravilhoso cotidiano em sentido amplo, ou seja, ver a Musa em cada coisa, em cada canto, naquilo que é mais simples e tem sua magia descoberta através da Arte.
   Muitos estão cegos para a beleza do cotidiano. Uma vez, um violinista talentoso estava em frente a um shopping, tocando, e poucos eram os que paravam, mesmo por alguns momentos, e escutavam. Não quero condenar aqui os que correm, apenas não acho que na correria se deva ficar sem sentidos para o que há de bonito em volta. 
    Mas eu vou lhes dar um exemplo melhor: a feirinha de antiguidades da Praça XV, que acontece todo sábado de manhã.
    O que um observador puramente técnico vê é um monte de coisas velhas, em bom estado ou não, necessárias ou superflúas, sendo comercializadas por muitas pessoas. O que eu vi quando fui há algumas semanas lá foi a Poesia presente na História, em fotos antigas, missais e pratarias, entre outros, de gente que viveu numa realidade anterior e da onde saiu a nossa. Câmeras, algumas do tipo lambe-lambe, estavam lá também e fico imaginando o que fotografaram... Que versos e linhas em prosa aquelas antigas canetas escreveram? Que notícias, concretas ou abstratas, levaram? E como levaram _ com ou sem subjetividade? E aqueles livros de capa desbotada, redigidos em português arcaico, que mundos carregam em suas páginas? Nunca saberemos ao certo, e desse mistério, surgem sonhos extraordinários...
     Meus amigos, nessa feirinha, o maravilhoso cotidiano existe não só em sentido amplo, como em estrito. Afinal, todo esse universo esquecido volta à tona; é um sonho que retorna, enriquecido pela imaginação atual de muitos, à consciência. O surrealismo está lá...
     E por que há ainda aqueles que não percebem a beleza disso? Estão claramente enredados demais nos mecanismos de sua subsistência _ em trabalhar sem prazer, em comer, dormir, administrar seus bens, manter uma boa reputação _ para perceber qualquer aparição da Musa. Esses não vivem; sobrevivem. Esquecem-se dessa diferença, a mais básica e importante de todas, ao acordar (se é que em algum momento tiveram conhecimento dela) e se a lembram, o fazem apenas na hora de dormir, quando o dia já se foi com sua beleza... E fazem isso dia após dia, desperdiçando o maravilhoso cotidiano _ em outras palavras, a própria vida.
     Deixo aqui alguns versos meus, que retornaram ao meu espírito como todo aquele cosmo evocado pela feirinha voltou à minha memória, ainda que nunca o tenha vivido.


Sombra libertina


Ao longe, na rua deserta
uma sombra no chão se firma
o Sol, o Céu e a Terra
sorriem para a tal libertina
que dança no asfalto, sem preocupação
os movimentos são poesia
a mais pura do coração
e seu dono, que viu que o Sol
para sua sombra sorria
pôs em movimento novamente
a querida sombra libertina
e a Manhã suspirava, e consigo dizia:
A libertinagem é o raiar
de um novo dia.
Deus abençoe essa sombra libertina!


Mas os homens que eram conservadores
e não viam a beleza da vida
(pois em suas vidas não havia amores)
censuravam a dançarina.
Achavam que a sombra
só por ter alegria
afrontava o universo róseo
que alguém um dia construíra
E o Sol, o Céu e a Terra com a Manhã
concordavam, que dizia:
Deus abençoe essa sombra libertina!


E a sombra e o seu dono
não pararam de dançar
nos asfaltos das ruas, às doces melodias.
E as Árvores, os Campos, o Verde
concordavam com a Manhã, que dizia:
A sociedade precisa
de mais sombras libertinas!

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Sexta-feira de paixão

 Ontem, em um clarão, me lembrei de um lindo poema de Florbela Espanca, uma das mais encantadoras poetas que conheço. Não coloco aqui nenhuma introdução maior a estes versos... Digo apenas que são perfeitos, sem risco de hipérbole.

 
Impossível


Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste:
“Parece Sexta-Feira de Paixão.
Sempre a cismar, cismar de olhos no chão,
Sempre a pensar na dor que não existe.


O que é que tem? Tão nova e sempre triste!
Faça por estar contente! Pois então?”
Quando se sofre, o que se diz é vão.
Meu coração, tudo, calado, ouviste.


Os meus males ninguém mos adivinha,
A minha Dor não fala, anda sozinha,
Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera!


Os males de Anto toda a gente os sabe!
Os meus ... ninguém ... A minha Dor não cabe
Nos cem milhões de versos que eu fizera!

quarta-feira, 16 de março de 2011

Excalibur

  A poeta está muito alegre. O motivo é a atenção recebida pela sua postagem anterior. Vários elogios foram feitos. Alguns aparecem no blog e no Facebook, e conto ainda com aqueles recebidos por MSN, os quais guardo no meu acervo particular, minha memória.
  Os escritores sabem o quanto é difícil divulgar seu trabalho quando estão no começo de sua trajetória. Boa literatura vende pouco no Brasil. E minha situação é especialmente complicada, pois faço versos. É frustrante saber que sites com conteúdo superficiais e emburrecedores têm mais seguidores e comentários que espaços culturais de qualidade, como o meu blog.
  Entretanto, agora a situação começa a mudar. Ainda sou bem desconhecida, eu sei, mas a repercussão de meus textos está crescendo. Isso me incentiva a continuar a usar minha Excalibur.
   Não me refiro aqui à legendária espada do Rei Arthur, mas a uma linda caneta que ganhei de Natal. Embora não tenha ainda gastado nem uma gota de sua tinta, posso dizer que utilizo sim esse precioso instrumento, pois ela é um símbolo do meu trabalho de escritora.
   Espero dar autógrafos e escrever lindas dedicatórias com ela no futuro, nas noites de celebração das minhas batalhas vencidas com essa imponente espada, que me ajudará a mostrar ao mundo o encantamento das minhas palavras.
   Dedico os versos seguintes, que merecem ser lidos muitas vezes, ao cavalheiro que me presenteou a Excalibur.

      
Sopro de água


Minha pena dança sobre o alvor do papel
e nas palavras encontro o meu refúgio;
tirando dos meus olhos todo o pranto,
afogo-me de novo em um mar turvo.


Oh, pobre sofrimento inconstante,
que me mata e me deleita como a uma rainha,
pois, se da dor tiro eu esperanças,
de teu ventre geras alegria!


E somente quem se empenha, de todo,
na graciosa arte de escrever
sabe que o lodo pode ser perfume
ao mesmo tempo, mas a diferente ver.


E esta abundância que explode em minh’alma,
de belas rosas de emoções distintas,
dá-me sempre uma fugaz certeza:
hei de ser eternamente serva e rainha.